CÉU AZUL

Impressões de viagens, alquimia de verbos, tempo quando sobra e dá vontade. Casamento de sonho com vigília. Corpo de ser vagando pela dimensão das palavras.

Thursday, May 29, 2008

2008 - 68

Para ser igual é preciso ser diferente, disse o único que não tem medo de dizer.

Convoca-se toda a geração, agora no poder, nos seus mais diversos campos de atuação. Naqueles tempos, era proibido ter mais de 30, mas o orgulho era juntar cem mil, o que foi realmente ótimo, se bem que onde estava fulano ali na foto ? As ruas foram tomadas, as instituições do jeito que eram, combatidas, talvez transformadas. O mundo já era outro, era preciso novos passaportes, novos feitos, novas imagens.

O topo do underground sismicamente subiu ao longo dos anos posteriores. O topo, não o underground do underground, que foi ficando naturalmente pelos descaminhos. Havia a ideologia, havia a vontade. Muita coisa ótima veio depois, aos trancos e barrancos, mas veio. Essa guerra não era uma festa, era pegar ou desbundar. Coisas difíceis, sem dúvida.

40 anos parece ser o tempo que a história leva para substituir as coisas. Agora, a nostalgia do heroísmo.

Os agentes transformadores estão perdendo aos poucos as relações que os prendiam a suas intenções originais... Acomoda-se aqui e ali, que acompanhar velocidade é coisa de fórmula um. Interdisciplinaridade não é assunto fácil. Ganhar a vida tem a ver com assumir os riscos e os loops.

O que espanta nessa geração é um certo fascínio com os chamados "discursos sociais". Se a grande conquista estava na ampliação das formas de relações sociais naquele momento, atualmente, por distorção, esses mesmos conquistadores parecem se ligar meio que por desconhecimento de causa, a manifestações culturais cujos discursos são apenas pretensamente reinvidicatórios, como o rap paulista. Essa "nova força cultural" na verdade investe pesado na denúncia dos problemas sócio-raciais-econômicos, mas sem considerar alternativas viáveis que não estejam baseadas no apartheid hiperconsumista de modelo estadunidense. Tupac, o gangsta, é o guru. Direto e direita.

Por outro lado, o desbunde. Carlinhos Brown, nosso clown mor, é desdenhado pelos seres racionais. Não se pode gerar poesia, só guerra. Mas se era no desbunde ácido justamente que a geração anterior encontrou seus mais brilhantes e coloridos avanços libertários...

Fato é que nesse meio tempo vieram as turbulências contrarreformadoras das doenças e dos livres mercados... Era preciso preservar-se e competir. Nada de sonho. Pé no chão.

Está na hora de voltar a sonhar, de retomar os cem mil com outros propósitos. 2010 vem aí, reducionista aos extremos. Chega de jornalista bossanova reclamando de ecochatos. Chega de hippie odara achando que ainda é jovem porque busca referência atual na pretensa revolução dos manos das periferias. É preciso viajar mais, entrar mais em contato. Carnaval ainda é uma boa, mas sem plumas e paetês: Voltemos à originalidade. A internet está aqui, e com ela o mundo inteiro a um clique, a uma palavra que você tem pra dar. Voltemos à contribuição milionária de todos os erros. Vamos às ruas sim, mas sem monoblocos. Vamos ao teatro sim, das ruas. Vamos aos cinemas não-evangélicos rezar ao deus God atemporal. Vamos ser nós mesmos, livres, leves e soltos. Vamos dançar com Ziggy em Marte ao som de um pandeiro e um tamborim, um samba urgentemente alterado pelo sol. Vamos ignorar o Jornal Nacional e sair mais tarde da rave, quem sabe não encontramos o Zuenir...

economia é desperdício

Economia é a prática de uma idéia ligada à noção de acúmulo. Podemos primeiramente pensar em dinheiro, a mola mestra das felicidades hiperconsumistas pós industriais, e tudo que se relaciona ao seu ciclo/circuito. Fortunas, poupanças, polpudas contas bancárias seja lá em que paraíso antilhano ou no ardente inferno de Wall Street, são sempre símbolos reconhecidos de potência, sinônimos de eficiência que perpassam os desejos de todos os seres humanos adaptados à guerrilha animal pela sobrevivência. Ter é poder, conclui-se. Com muita naturalidade.

Um fetiche dos desempenhos, retentivo way of life, que exige foco, agressividade, conservadorismo. Sucessos bem sucedidos. Privilégios e diferenciações, "eu tenho o que você não é". Com direito a mares hiperazuis, cabelos esbranquiçados, camisas sociais engomadas, iates fundeados em ilhas sem possibilidade alguma de ventos fortes. E curtindo com sorrisos alvamente dentários a macaquice dos netos...
Para chegar lá é preciso ser competitivo, ter estratégias, passar por cima, aplicar, ser dinâmico...

Investe-se pois em fundos de nomes sedutores como Guepardo Multi Arrojado, Maxi Premium Top Crédito, Infinity Unique Excellence, Jaguar Dinâmico Capital Performance, Personalité Máxima High, Argúcia Income Advanced Agressive.... Metáforas explícitas do yang posicionamento masculino guerreiro-vitorioso tribal. O homem-acúmulo, ideal para a mulher-consumo.

Entretanto, o dinheiro não é, como parece ser, o valor maior. O propósito maior parece ser da ordem da disfunção hormonal, da glorificação dos poderes (gozosos) da testosterona.

Produzida nos testículos e nas suprarrenais, a testosterona comanda. É essencial para que se afirme a posição do indivíduo (macho) no grupo (competitivo), é a ela que se glorifica a aprovação social, a inveja, é a ela que se refere a idéia do sucesso, da eficiência. Acumular testosterona é objetivo da concentração antes de jogos esportivos, é objetivo até para que se encontre revelações espirituais no celibato de mosteiros e conventos... Testosterona acumulada transcende o universo simplista das coisas biologicamente prosaicas.

É acúmulo que faz valer os comportamentos agressivos, as defesas de território, as demarcações de todos os tipos. "Eu sou o que você não tem". Produz o grande barato de uma loucura violenta, demolidora, com tendências explosivas. Produz História através de guerras, de campeonatos, enfrentações. Tudo muito apreciado por todos nós.

A contra-mão desse processo, portanto, deve ser considerada como fraqueza, inutilidade, falta de adaptação. Riscada dos mapas possíveis. Para gastar testosterona é preciso antes um planejamento, uma combinação prévia, de acordo com os moldes vigentes, instituídos pelas corporações dominantes. Não se pode gozar impunemente.

O desperdício dessa química fundadora passa a ser considerado transgressão fatal, anarquia terrorista, individualismo pecaminoso. Luxúria viciosa, pecado CAPITAL. Não esse tipo de prazer que liberta corpos de tensões úteis, não esse conhecimento de si. O grupo precisa de líderes fortes e comandados submissos, porém ainda fisicamente produtivos. O Gozo é inimigo de todas as sociedades, anti-econômico por excelência. Yin.

Nenhum acúmulo se sustenta infinitamente. É preciso transbordar, mas não sem culpa. Não é permitido ser livre, acordar a qualquer hora do dia, não é permitido não trabalhar, não funcionar. Mas o transbordamento, momento de equilíbrio entre vida e morte, é o único fator real de liberdade quando não se pode mais aguentar tanta pressão interna.

Não é numa piscina azul clorificada num condomínio arborizado, nem nos casacos de tricô branco vestidos por casal hetero branco com necessariamente um casal de filhos brancos que reside o sentido máximo da existência humana. Ter tempo para si não pode mais ser considerado o bem de consumo máximo.

É preciso sim, Dona Marta, relaxar e gozar.

Ou então o cérebro vai ser pra sempre lavado através da histeria fanática shopping-crente-futebolística...