CÉU AZUL

Impressões de viagens, alquimia de verbos, tempo quando sobra e dá vontade. Casamento de sonho com vigília. Corpo de ser vagando pela dimensão das palavras.

Friday, October 19, 2007

Flâneur

A cidade se espraia,
formigueira e barroca,
escondida em mil cantinhos, mil
e duas pedrinhas, recurvadas,
justapostas, recostadas, encravadas,
pisoteadas
por esses pés
que andam, logo
pensam.

Pensam e passeiam
sensuais
observando tudo,
mas pra quê
câmera na mão ?
As idéias se acumulam, nuvens nimbos, na cabeça
que essa cidade observa
passeando...
etérea, chuvosa,
por vezes muito seca
e pegando fogo,
alimentada com álcool e jornais
sangrentos,
cidade espremida,
preta,
cinza,
rosinha,
amarelinha,
vermelha-cara-pálida,
cidade Baixa,
cidade Santa,
maravilhosamente decadente,
pé-suja
de tanto andar
procurando
melhor forma.

Saturday, October 13, 2007

Paul Gauguin

Do outro lado do mundo, as cores mais puras talvez, a confirmar a visão já descompensadamente delirante de absinto e doença. Seria o Selvagem, usaria pareôs e peito nu refrescado pela brisa marinha de gigantes ondas muito verdes, em praias de sol e areia muito rosa.

Seria uma libertação qualquer do que PRECISAVA ser libertado, a saber uma alma configuradamente simbolista. O selvagem que percebe a largura de uma folha orvalhada pela noite profunda próximo a um vulcão de cianureto. O doce cheiro do sexo das frutas abertas sobre esteiras trançadas, despudoradas, desavergonhadas, como em França não se via tão límpidas.

Seria primitivo, em planos arredondados e bem delineados, planos morenos e de tantas cores complementares e opostas, que inauguraria a possibilidade até então remota de um mundo paradisíaco e carnal, diferente do exotismo delacroixziano.

Seria taitiano, seria egípcio e japonês, criando uma linguagem visual sem igual, onde antes só havia bailarinas ou cenas de passeios no Sena. Esse deslocamento geográfico em relação ao Sol. Diferente de Van Gogh, ele era, e era muito mais completo. Há uma afirmação humana implícita na pintura de Gauguin muito mais imponente e democrática que na pintura nervosa do holandês. E uma simultaneidade, quando dos retratos duplos, sendo estes, de uma mesma pessoa. Cubismo ?

Sobre todas as dificuldades de um corpo lentamente doente, e dificuldades financeiras, mais um caráter notavelmente "difícil", a pintura se realizou como um oásis, com uma organicidade comovente.

Pintor arrogante, dândi espalhafatoso, vagabundo transcontinental,
Paul Gauguin lá do outro lado, em 1900, realizou a máxima de ser absolutamente moderno, e pagou caro pelas consequências.

Sunday, October 07, 2007

São Paulo 2007

A cidade passa da janela do carro,
escorregadia e mais colorida,
rápida & difusa. Uma cidade
que se pretende arte
em cada canto,
já que é necessário trabalhar,
mas aqui ainda é Brasil.

Como é possível e necessário
que os pichadores parecem flutuar
ao chegarem em lugares impossíveis mesmo
na lateral dos prédios, esses
opressores.
E o graffitti sensual, mole, que derrete
a cada lance de olhar.
Pílulas de stencil também surgem, poeminhas
visuais-presentes para quem
quiser
assistir.

Sem letreiros,
a cidade se mostra com pastilhas até então esquecidas.
Em cores mais fortes que lembrávamos.

Nos jardins, as mansões parecem monumentos-
fantasmas : quem será
que mora dentro ? os muros
tão baixos...

Os restaurantes estão cheios, é almoço, e come-se bem.

No Mercadão, nunca vi
uma coisa igual : a diversidade
dos produtos é surpreendente.
Quero passar um ano provando tudo ali,
mas como apenas 2
pastéis do mais saboroso bacalhau
branquinho.
O ambiente faz lembrar a Argentina que nunca estive.

Pousar em Congonhas é meter-se dentro dos prédios...

Sem mais tempo, pretendo voltar
urgentemente.

Tulse Lumper´s suitcases

92 malas
urânio-inspiradas, 92
objetos pra representar o mundo. Uma empreitada digna
de Arthur Peter Bispo Greenaway do Rosário.

À entrada da exposição, um pequenestreito corredor
em cujo teto são projetadas imagens :
1 homem / 1 mulher - triplicados.
A vertigem ainda está por vir
e acontece
quando entramos na sala de exposição
propriamente dita.

As malas espalhadas, organizadas e abertas,
revelam suas coleções,
por vezes com projeções visuais (digitais) complementares.
Na parede à direita, negra,
uma carpa japonesa parece nadar no espaço. Aqui e ali
as malas surpreendem :
a mala dos sapos, a mala da água com seus vapores e borbulhas,
a mala do arco-íris com seu vazio e o espectro luminoso
refletido. Não se pode fotografar.
A mala do pote de cerejas,
A mala da tinta amarela,
a mala do chumbo,
a do urânio e a imagem da bomba explodindo ( o mundo
esqueceu dessa imagem ? ),
a mala das bonecas,
a dos bonecos de barro de Mestre Vitalino também.
A de Graciliano Ramos em seu cárcere,
a de Carlos Zéfiro,
a cheia de mel onde se pode meter o dedo e lamber.

A mala dos cacos de vidro,
a com 92 velas apagadas,
a bela mala
com cardápios antigos de restaurantes franceses,
a impactante mala contendo um cão morto,
como se fosse Pompéia...
A mala dos protestos anti-americanos,
a mala das impressões digitais...

Em todas, o cinema respira,
ganhando novos pontos de vista,
novas possibilidades.